O parque de Santa Gertrudes
Por Alice Vieira
Como todos os que me conhecem sabem, imigrei para a Ericeira, e foi das melhores coisas que eu fiz na minha vida.
Mas de vez em quando — que remédio… — é preciso ir a Lisboa. E às vezes dá-me para pensar em como eu sou velha, pois se perguntasse certas coisas a meia dúzia de lisboetas mais novos do que eu — tenho a certeza de que nenhum deles sabia.
Por exemplo, se eu perguntasse onde ficava o Parque de Santa Gertrudes, eles deviam pensar que eu era maluquinha.
Maluquinha ainda não sou (ou não sou mais do que sempre fui) —mas sou velha.
Claro que não conheci o Parque de Santa Gertrudes logo no dia da sua inauguração. De 1883 a 1895 foi ali o Jardim Zoológico de Lisboa, que eu tenho muita pena de não ter chegado a tempo de ver — mas, vá lá, cheguei a tempo de ver a inauguração da Feira Popular
Então eu ia lá quase todos os dias, e quando um dia soube que tinha estado para me chamar Gertrudes, pensei que era por causa do parque. (Não era, era o nome da minha avó paterna)
Eu ia ao Parque de Santa Gertrudes para andar no comboio fantasma, com esqueletos e bruxas a abraçarem-nos na escuridão no meio daquelas voltas e mais voltas que ninguém lá de fora conseguia ver; o poço da morte; a cigana que parecia que se partia pela cintura, à porta de um casinhoto, a gritar que nos queria ler a sina. Era tão famosa que, um dia, numa revista do Parque Mayer, a Dora Leal a retratava tal como ela era, repetindo “um escudo, um escudo que a Dora diz tudo”
E também havia burros, onde podíamos andar durante alguns minutos, conduzidos pelo dono do animal, a quem tínhamos pago meia dúzia de escudos.
Quando a Feira Popular saiu daqui, só algumas destas coisas é que continuaram — e perdeu a graça toda. Aquele era o seu lugar e mais nenhum outro. De tal maneira, que acabou por fechar — e agora no seu lugar estão os Jardins da Gulbenkian… Quem poderia imaginar tal coisa.
E o que é facto é que a Feira Popular, noutro sítio, não durou muito tempo e acabou mesmo por fechar. E o lugar ainda lá está, vazio. Até hoje.
Se calhar, por estas e por (muitas) outras coisas é que acabei por deixar Lisboa e imigrar para a Ericeira — onde espero que nunca aconteçam coisas parecidas.
Alice Vieira
Atualmente colabora com a revista “Audácia”, e com o “Jornal de Mafra”.
Publica também poesia e é considerada uma das mais importantes escritoras portuguesas de literatura infanto-juvenil.
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